Um viva à vida
(matéria publicada no JP de 18/10/08)
Errar é humano. Tão humano que tornou-se um ditado amplamente difundido. Sendo humano, todos nós podemos errar, certo? Errado. Pelo menos ao médico não é dada a possibilidade de errar. Pense em qualquer profissional: o advogado pode perder uma causa — e isto custa a perda da liberdade ou dinheiro ao cliente; o engenheiro pode errar em um projeto e perder material; o jornalista pode esquecer uma informação, que pode ser dada logo em seguida. Mas e o médico? “Quando um médico erra, seu cliente pode perder um órgão, sua função ou mesmo a vida”, observa Renato Françoso Filho, 55, médico há 30 anos.A história desse cirurgião poderia “passar batido” se ele não fosse um profissional conhecido e reconhecido. Como tantas outras pessoas, ele experimentou a dor, a fragilidade, a fraqueza, diante da morte. Há pouco mais de dois meses, Renato sofreu um enfarte, seguido de uma parada cardio-respiratória por um tempo, além de uma posterior hemorragia gástrica. “Tenho consciência exata do que ocorreu comigo e tive a real noção da importância do médico na vida das pessoas. Por isso é tão importante que a sociedade exija médicos bem formados, e principalmente vocacionados, para que a população tenha a certeza de que vai encontrar um profissional preparado quando precisar”, afirma.A luta de Renato em favor de sua classe não é de hoje: ele sempre defendeu que o médico precisa ser um profissional altamente qualificado, já que lida com o bem maior: a vida. Porém, ele nunca imaginava que passaria de médico a paciente, ainda mais numa situação tão delicada. “Não é fácil perceber que você é tão frágil quanto os outros, tão vulnerável. É muito ruim sentir-se impotente, ter que submeter-se às ordens de outros médicos — coisa que não estou acostumado, às restrições e às imposições de remédios e de dietas, que em outras situações, o agente ordenador era eu”, explica.Outro fator difícil na visão de Renato foi o fato de ele saber a gravidade da situação, dos riscos que correu e das consequências que poderia ter sofrido. Ele não deixa ainda de fazer a “mea culpa”. “O médico por vocação, coloca o cuidado com as pessoas como prioridade da vida e vai se esquecendo de tudo: da própria saúde, da família, do lazer. E cada dia se envolve mais com a medicina. Grande parte dos médicos é irresponsável com a própria saúde”, comenta.Ele conta que sempre sentiu-se “blindado”, justamente por trabalhar em favor da vida. “O médico acha que está acima das doenças, das fraquezas, dos limites. A gente pensa que tudo acontece com os outros, mas ao perceber que isso não é real, vemos que todos somos iguais, não há diferenças”.
LEI DAS COINCIDÊNCIAS — Renato credita sua “sorte” à “lei das coincidências”, ou seja, tudo favoreceu para que os médicos obtivessem um resultado positivo na luta pela sua vida. “Percebi que estava enfartando e minha esposa me levou ao Pronto Socorro. Lá havia uma equipe supercompetente e todos os aparelhos necessários para que eu fosse atendido. Caso contrário, hoje eu seria apenas uma lembrança, um choro, talvez uma placa”, afirma.Hoje está aprendendo a dizer não, a limitar as atividades, e principalmente, a lidar melhor com as situações que geram estresse. Mas diz que não vai abrir mão dos valores nos quais acredita, das questões que afligem os doentes, a sociedade e a profissão, “porém com um ritmo mais adequado”.
DOM DA VIDA — A experiência de ver-se “do outro lado” — o que realmente aconteceu, segundo ele — proporcionou a Renato uma nova sensação. “Quando o Amauri (o cardiologista Amauri Groppo) me disse ‘Renato, você está vivo. Respire’, tive a sensação da vida, uma alegria indescritível. Saber que Deus ouviu a minha oração, que me brindou com uma segunda chance, porque eu sei que morri e tive essa chance, é fantástico. E vi que temos que comemorar a cada segundo a grandeza do dom da vida; valorizar o que temos de mais rico: o relacionamento entre as pessoas, a alegria, o ajudar-se. A gente só dá esse devido valor quando vemos isso ameaçado”. Para ele, é incompatível ser médico, cuidar da vida, sem ter a exata noção da presença de Deus.Renato ressalta ainda o papel dos que ele chama de “zeladores do dom da vida”: os profissionais da saúde. “Além dos excepcionais médicos que temos, não podemos deixar de lado os enfermeiros que limpam as nossas feridas, que fazem a nossa higiene, que administram os medicamentos, verdadeiros cuidadores. Porque a eles também foi dado o dom de zelar pela vida”, diz. E conclui, de toda essa maravilhosa lição de vida: “Somos exatamente iguais. Todos nós, vulneráveis, impotentes. Somos realmente iguais, todos dependentes uns dos outros”. (Ude Valentini)
Errar é humano. Tão humano que tornou-se um ditado amplamente difundido. Sendo humano, todos nós podemos errar, certo? Errado. Pelo menos ao médico não é dada a possibilidade de errar. Pense em qualquer profissional: o advogado pode perder uma causa — e isto custa a perda da liberdade ou dinheiro ao cliente; o engenheiro pode errar em um projeto e perder material; o jornalista pode esquecer uma informação, que pode ser dada logo em seguida. Mas e o médico? “Quando um médico erra, seu cliente pode perder um órgão, sua função ou mesmo a vida”, observa Renato Françoso Filho, 55, médico há 30 anos.A história desse cirurgião poderia “passar batido” se ele não fosse um profissional conhecido e reconhecido. Como tantas outras pessoas, ele experimentou a dor, a fragilidade, a fraqueza, diante da morte. Há pouco mais de dois meses, Renato sofreu um enfarte, seguido de uma parada cardio-respiratória por um tempo, além de uma posterior hemorragia gástrica. “Tenho consciência exata do que ocorreu comigo e tive a real noção da importância do médico na vida das pessoas. Por isso é tão importante que a sociedade exija médicos bem formados, e principalmente vocacionados, para que a população tenha a certeza de que vai encontrar um profissional preparado quando precisar”, afirma.A luta de Renato em favor de sua classe não é de hoje: ele sempre defendeu que o médico precisa ser um profissional altamente qualificado, já que lida com o bem maior: a vida. Porém, ele nunca imaginava que passaria de médico a paciente, ainda mais numa situação tão delicada. “Não é fácil perceber que você é tão frágil quanto os outros, tão vulnerável. É muito ruim sentir-se impotente, ter que submeter-se às ordens de outros médicos — coisa que não estou acostumado, às restrições e às imposições de remédios e de dietas, que em outras situações, o agente ordenador era eu”, explica.Outro fator difícil na visão de Renato foi o fato de ele saber a gravidade da situação, dos riscos que correu e das consequências que poderia ter sofrido. Ele não deixa ainda de fazer a “mea culpa”. “O médico por vocação, coloca o cuidado com as pessoas como prioridade da vida e vai se esquecendo de tudo: da própria saúde, da família, do lazer. E cada dia se envolve mais com a medicina. Grande parte dos médicos é irresponsável com a própria saúde”, comenta.Ele conta que sempre sentiu-se “blindado”, justamente por trabalhar em favor da vida. “O médico acha que está acima das doenças, das fraquezas, dos limites. A gente pensa que tudo acontece com os outros, mas ao perceber que isso não é real, vemos que todos somos iguais, não há diferenças”.
LEI DAS COINCIDÊNCIAS — Renato credita sua “sorte” à “lei das coincidências”, ou seja, tudo favoreceu para que os médicos obtivessem um resultado positivo na luta pela sua vida. “Percebi que estava enfartando e minha esposa me levou ao Pronto Socorro. Lá havia uma equipe supercompetente e todos os aparelhos necessários para que eu fosse atendido. Caso contrário, hoje eu seria apenas uma lembrança, um choro, talvez uma placa”, afirma.Hoje está aprendendo a dizer não, a limitar as atividades, e principalmente, a lidar melhor com as situações que geram estresse. Mas diz que não vai abrir mão dos valores nos quais acredita, das questões que afligem os doentes, a sociedade e a profissão, “porém com um ritmo mais adequado”.
DOM DA VIDA — A experiência de ver-se “do outro lado” — o que realmente aconteceu, segundo ele — proporcionou a Renato uma nova sensação. “Quando o Amauri (o cardiologista Amauri Groppo) me disse ‘Renato, você está vivo. Respire’, tive a sensação da vida, uma alegria indescritível. Saber que Deus ouviu a minha oração, que me brindou com uma segunda chance, porque eu sei que morri e tive essa chance, é fantástico. E vi que temos que comemorar a cada segundo a grandeza do dom da vida; valorizar o que temos de mais rico: o relacionamento entre as pessoas, a alegria, o ajudar-se. A gente só dá esse devido valor quando vemos isso ameaçado”. Para ele, é incompatível ser médico, cuidar da vida, sem ter a exata noção da presença de Deus.Renato ressalta ainda o papel dos que ele chama de “zeladores do dom da vida”: os profissionais da saúde. “Além dos excepcionais médicos que temos, não podemos deixar de lado os enfermeiros que limpam as nossas feridas, que fazem a nossa higiene, que administram os medicamentos, verdadeiros cuidadores. Porque a eles também foi dado o dom de zelar pela vida”, diz. E conclui, de toda essa maravilhosa lição de vida: “Somos exatamente iguais. Todos nós, vulneráveis, impotentes. Somos realmente iguais, todos dependentes uns dos outros”. (Ude Valentini)
Comentários
Sim, não esqueci do relato prometido, sobre Bezerra de Menezes. Está perto o momento, é só encontrar o livro e...
Abração.